Biomarcadores no Esporte
A abordagem de análises por biomarcadores traz uma evolução importante para quem não somente trabalha com atletas profissionais, mas também para atletas amadores e praticantes de exercícios visando a saúde e bem estar
Redação
Profissionais estão sempre em busca de conhecimento para aperfeiçoar e melhorar a qualidade dos treinos de seus atletas, e para isso os avanços nas abordagens de Big Data para avaliar a saúde e o condicionamento dos atletas surge como uma boa ferramenta para análises de dados intrínsecos. Por exemplo, através de dados bioquímicos e hematológicos é possível analisar o equilíbrio entre treinamento e recuperação do atleta, levando a uma realidade mais próxima do status de treinamento do atleta.
De fato, já existem laboratórios especializados em oferecer testes bioquímicos e genéticos para atletas, com o objetivo de rastrear o desempenho e recuperação durante o treinamento. Proteínas, metabólitos, enzimas e outras moléculas podem servir como biomarcadores para atletas e indivíduos recreativamente ativos. Porém, apesar de numerosos biomarcadores servirem para análises de saúde, desempenho esportivo e recuperação em atletas, existem limitações e alguns desafios para a utilização dessa ferramenta. Por exemplo, um único biomarcador não é definitivo e sensível suficientemente para avaliar funções fisiológicas amplas como a recuperação, risco de overtraining e lesões. Outro ponto em discussão ainda é que, uma única medição de um biomarcador não permite determinar com precisão o estado de saúde e condicionamento de um atleta. E ainda existe uma heterogeneidade nos intervalos de referência para o acompanhamento das análises, ou seja, testes isolados ou pouco frequentes tornam as análises limitadas.
Um exemplo disso é a molécula IL-6, uma citocina bastante reconhecida e estudada. Apesar de ter funções pró inflamatórias e anti-inflamatórias, isoladamente ela fornece pouca informação a respeito da inflamação crônica durante overtraining no atleta, pois responde a múltiplos estímulos de forma aguda e crônica. Na realidade, pesquisadores vem demonstrando que a melhor maneira de se avaliar, por exemplo, a inflamação crônica, é através de análises de um grupo de citocinas em conjunto juntamente com outras variáveis relacionadas à função fisiológica/física. Análises de múltiplas citocinas pró inflamatórias (p.ex., IL-1β, TNF-α, IL-6, IL-10, IL-8), marcadores endócrinos desregulados como testosterona e cortisol, marcadores de dano muscular como a creatina quinase (CK) podem ser integrados para avaliar a saúde geral do atleta e estado de overtraining. Entretanto, confiar em apenas um marcador para detectar com sensibilidade e precisão a fadiga ao treinamento, por exemplo, é extremamente simplista, dada a natureza pleiotrópica (múltiplos efeitos de uma mesma molécula) da maioria desses marcadores.
Durante uma prova de Triathlon, principalmente provas mais longas como o IronMan e 70.3 o nível de hidratação é fundamental para uma boa performance e manutenção do desempenho. Durante a prova, especialmente no calor, alguns atletas terminam hidratando menos do que o necessário com a perda na transpiração, resultando em um déficit hídrico (desidratação). A desidratação induzida pelo exercício leva a uma diminuição do volume líquido extracelular, levando a uma hipovolemia hipertônica devido à perda de água no plasma. A osmolaridade plasmática (desequilíbrio eletrolíticos) e níveis de sódio são exemplos de biomarcadores sanguíneos de hemoconcentração (perda de líquido plasmático) amplamente utilizados para avaliar níveis de desidratação, pois os valores de ambos aumentam de forma linear com os níveis de desidratação. Além disso, como a hidratação tem um impacto negativo na função renal, a relação nitrogênio ureico/creatinina tem sido utilizado como um forte indicador de hidratação, com um limiar sugerido de 20mg/dl para a desidratação. A utilização dessa análise pré prova é importante para avaliar as recomendações de consumo de líquidos para melhorar o desempenho durante a prova.
Um aspecto importante da saúde e desempenho esportivo do atleta é a qualidade do tecido muscular. Força, potência, fadiga e resistência são diretamente afetadas pelo estado muscular ou pelo estado de recuperação e fadiga do músculo. Além disso, uma recuperação insuficiente leva a uma piora do desempenho do atleta, e um dos maiores desafios para treinadores é conseguir avaliar o quanto seu atleta realmente conseguiu recuperar de uma prova extenuante como o IronMan.
Nesse contexto, o monitoramento dos níveis de estado muscular poderia auxiliar os treinadores a adaptarem melhor a periodização de treinamento/competição e recuperação de seus atletas. Com relação a isso, marcadores de fadiga, síntese proteica e recuperação são bem estabelecidos atualmente. Os níveis de creatina quinase (CK) atingem o pico aproximadamente 24 horas após o exercício de intensidade alta, mas podem permanecer elevados até 7 dias após o exercício. A CK cronicamente elevada pode indicar recuperação insuficiente. A
mioglobina que é liberada no sangue após o dano muscular (pico de 1h a 3h após o treinamento) e o nitrogênio ureico que pode indicar síntese proteica versus degradação, juntamente com a CK são marcadores úteis para monitorar status muscular do atleta.
Como as concentrações de hormônios e aminoácidos no sangue são altamente variáveis entre os indivíduos, esses marcadores são melhor avaliados observando aumento/diminuição progressiva, descartando a medida basal padrão, exigindo um monitoramento desses marcadores em vários pontos do tempo ao longo do ciclo de treinamento, fazendo disso um dos maiores desafios para a introdução dessa análise por muitos profissionais. Por exemplo, para monitorar mudanças crônicas ao longo de uma temporada, os atletas deveriam ser testados a cada 4-6 semanas.
A sinalização hormonal adequada é fundamental para as adaptações fisiológicas ao treinamento físico. Os hormônios são reconhecidos por sua ação endócrina que provocam adaptações específicas ao treinamento.
Um bom exemplo disso é a testosterona, um hormônio necessário na promoção de síntese de proteínas, produção de glóbulos vermelhos, reposição de glicogênio (de extrema importância para os atletas de Endurance) e redução de degradação de proteínas. A diminuição dos níveis de testosterona vem acompanhada da diminuição do desempenho, energia e força que são geralmente observadas durante a temporada de treinamento, podendo ser um indicador de volume de treinamento muito alto.
De forma contrária à testosterona, o cortisol inibe a síntese proteica interferindo na ligação da testosterona ao seu receptor de andrógeno e bloqueando a sinalização anabólica através de mecanismos independentes da testosterona. Quando cronicamente elevado, o cortisol é catabólico e imunossupressor, induzindo processos que tornam mais difícil para um atleta construir/manter a massa muscular e se recuperar do treinamento.
Outros hormônios também se destacam na hora de analisar fadiga e recuperação em atletas de ambos os sexos. A desidroepiandrosterona (DHEA) é um hormônio precursor do estrogênio e da testosterona. Além de afetar a composição corporal em atletas, alterações no DHEA em relação ao cortisol têm sido relatadas como um marcador útil de suscetibilidade ao overtraining em atletas do sexo feminino. Outros hormônios como GH, IGF-1, e LH compõe papel importante também nas adaptações ao treinamento, estimulando anabolismo e síntese de proteína muscular. Especificamente, o LH (hormônio luteinizante) pode ser outro marcador útil para detectar excesso de treinamento ou ingestão insuficiente de nutrientes.
Dada a importância do condicionamento cardiovascular para o atleta de Triathlon, marcadores específicos de resistência cardiorrespiratória são de grande importância e ajuda na hora de avaliar a condição aeróbica do atleta. O ferro é um mineral importante no transporte de oxigênio e na fosforilação oxidativa, que são processos fisiológicos fundamentais para o metabolismo aeróbico. Atletas de Endurance, especialmente as mulheres, são particularmente suscetíveis à deficiência de ferro devido a uma combinação de fatores. Atletas com estado de ferro comprometido podem experimentar decréscimos no desempenho devido à incapacidade de metabolizar substratos em forma de energia de forma adequada. Além disso, a deficiência de ferro com anemia pode ter um papel na maior prevalência de infecções do trato respiratório superior em corredores de maratona. Complemento de biomarcadores do ferro inclui saturação de transferrina e ferritina, melhorando a abordagem do monitoramento. Mesmo assim, a variação entre os dias da concentração de ferro é alta (10–26%) e, como consequência, deve ser interpretada com cautela e não pode ser considerada isoladamente. Um indicador mais estável dos níveis de ferro é a capacidade total de ligação do ferro (CTLF), com um intervalo de referência: 250–425 μg·dl-1, que reflete o número total de sítios de ligação no sangue do peptídeo transportador de ferro, transferrina. A variação diária da CTLF é relativamente baixa (8–12%) e não se altera antes que os estoques de ferro se esgotem, reduzindo assim a probabilidade de detectar falsamente estados de depleção de ferro. Além disso, a transferrina não é um reagente de fase aguda ou afetada por outras doenças e, portanto, é uma valiosa adição de painel de biomarcadores para determinar os níveis de ferro. A transferrina é uma glicoproteína transportadora de ferro no sangue que leva ferro para os tecidos. A saturação de transferrina com valores abaixo de 15% são consistentes com deficiência de ferro.
É importante ressaltar que boa parte desses biomarcadores são observáveis em um simples exame de sangue, tornando uma análise pouco invasiva e acessível a maioria das pessoas. Além disso, é uma boa estratégia para avaliar o atleta em ciclo de prova, fazendo o uso em momentos específicos dentro da periodização ao longo do ciclo. Apesar de suas limitações, a análise de biomarcadores é uma ferramenta promissora e seus resultados, juntamente com outras informações, refletem um cenário mais real da condição fisiológica do atleta, auxiliando o profissional em tomadas de decisões sobre o treinamento do atleta durante a temporada.
Prof. Me. Eduardo Figueiredo
Coach – Equipe CordellaTeam – Personal Trainer – @prof.edu.figueiredo