Imersão de Gelo: O que sabemos?
Saba os verdadeiros benefícios dessa prática atual
Redação
Se tornou comum após uma prova ou mesmo treinos coletivos ver atletas imersos em pequenas piscinas infláveis com água gelada e cubos de gelo para recuperar do esforço do treino. Muitos relatam melhorias na sensação de cansaço e dores musculares após realizarem essa técnica. Mas, será mesmo que a imersão em água gelada atenua as dores musculares, melhora a recuperação, resposta metabólica e inflamatória?
De início devemos ter em mente que existem técnicas diferentes de aplicação do gelo para recuperação após o treinamento. A primeira delas seria a aplicação local do gelo em uma determinada região do corpo com o objetivo de atenuar processos inflamatórios e dores, evitando um processo de lesão local. Porém, existem outras duas formas que ganharam popularidade entre os esportistas e que tem cada vez mais ganhado adeptos, uma é a imersão de corpo inteiro em água gelada (10o – 15o C), chamada de cold-water immersion (CWI) e a outra forma é a exposição de corpo inteiro ao ar seco extremamente frio com temperaturas atingindo entre – 100o C e – 140o C, chamada de Whole-body cryotherapy (WBC). Esta última tem limitações quanto a sua utilização, pois além de mais cara necessita de uma sala ambientalmente controlada para o resfriamento. Nesse artigo falarei um pouco sobre essas duas técnicas mais utilizadas recentemente, a CWI e a WBC.
Altas cargas de treinamento trazem consigo efeitos físicos que muitas vezes persistem por alguns dias, é o caso da dor muscular de início tardio (DMIT), gerando uma redução na capacidade de realizar força, da amplitude de movimento e sensação de dor local ao realizar movimentos, podendo persistir por dias após a sessão de treinamento. Tradicionalmente, o gelo é utilizado no tratamento de lesões musculoesqueléticas, porém mais recentemente muitos atletas tem utilizado a CWI após uma sessão de treino com o objetivo de melhorar a recuperação. Recentes estudos em animais têm mostrado efeitos positivos da CWI na redução do metabolismo, inflamação e danos teciduais. No entanto, esses resultados não tem sido reproduzidos em humanos, trazendo opiniões contrastantes com relação a aplicabilidade dessa técnica em atletas. Essa limitação de evidência em humanos passa por um problema comum quando se quer analisar um desfecho, que é a heterogeneidade dos estudos quanto a aplicação da terapia de CWI.
Em relação a aceleração da recuperação, os estudos com CWI mostram resultados conflitantes, desde efeitos benéfico a nenhum efeito e, até mesmo, efeitos prejudiciais. Por exemplo, há evidências de que o uso frequente da crioterapia atenua o ganho de força seguido do treinamento resistido. Embora, tenha ocorrido avanços na compreensão das respostas fisiológicas à crioterapia, ainda falta evidências consistentes e unânimes sobre a eficácia da CWI após uma sessão de treinamento. Grande parte dessa limitação para a utilização da técnica em humanos é em parte porque a maioria das recomendações de protocolos eficazes foram observados em animais.
Uma boa e rápida recuperação é fundamental para a rotina de um atleta. O CWI tem surgido como uma boa opção para a otimização da recuperação do atleta. Uma das hipóteses para a utilização da CWI é de que as temperaturas frias poderiam facilitar a recuperação através da redução da temperatura intramuscular e o metabolismo, limitando o estresse hipóxico e a geração de espécies reativas oxidativas (EROs). Uma redução induzida pelo frio no fluxo sanguíneo muscular tem sido tradicionalmente proposta para limitar a sinalização inflamatória, o edema e, portanto, qualquer dano secundário subsequente às fibras musculares. Entretanto, essas observações foram feitas, em sua grande maioria, em animais. Além disso, a resposta inflamatória e, consequentemente, o estresse oxidativo que contribuiriam para um “dano secundário”, são processos que tem se mostrado importantes para os processos de sinalização e remodelação celular envolvidos na resposta adaptativa pós exercício no músculo esquelético.
Muitos estudos analisam marcadores inflamatórios com o objetivo de avaliar se a CWI tem efeitos significativos na resposta inflamatória e, consequentemente, uma melhor recuperação aos efeitos do treinamento no atleta. Um estudo de 2014 conduzido por White e colaboradores, avaliou diferentes protocolos de CWI (duração e temperatura diferentes) versus recuperação passiva após um protocolo de treinamento intervalado de alta intensidade. Os autores mostraram que 10 minutos de CWI não reduziram significativamente a concentração plasmática dos marcadores inflamatórios, IL-6, IL-8 e mieloperoxidase em nenhum dos protocolos utilizados no estudo. Entretanto, os protocolos que utilizaram temperaturas de 10o C e 20o C por 30 minutos exacerbaram a resposta de IL-8 e mieloperoxidase no sangue após o exercício. Em 2017
Peake e colaboradores realizaram um estudo bem interessante com jovens submetidos ao treinamento resistido, aonde uma série de análises (expressão gênica, biópsia muscular e plasma sanguíneo) de marcadores inflamatórios foram incorporadas nesse estudo. Os autores demonstraram que o CWI (10 minutos a 10o C) não teve impacto nas medidas inflamatórias e no estresse celular em comparação com a recuperação ativa (10 minutos de bicicleta em baixa intensidade).
Com relação a técnica de WBC, a maioria dos estudos foram conduzidos em pequenos grupos de jovens, em sua maioria homens. Há uma hipótese de que, devido às suas temperaturas extremas (- 110o C), o WBC oferece um efeito de resfriamento aprimorado em relação às formas tradicionais de crioterapia (CWI e gelo local). Assim como na CWI, os resultados da eficácia da WBC provêm em sua grande maioria de estudos em animais, que mostram impactos no metabolismo celular e atividade de células de defesa na vasculatura. Poucos estudos conseguiram replicar esses resultados em modelos humanos. Entretanto, alguns estudos demonstraram um perfil de citocinas melhorado em atletas que utilizaram o WBC em sessões de treinamento. Outros estudos encontraram pouco efeito sobre marcadores de lesão muscular após uma série de modelos de treinamento.
Um dos efeitos do exercício de intensidade alta é o aumento da atividade simpática, resultando em uma diminuição da variabilidade da frequência cardíaca. Pressupõem-se que a atividade simpática prolongada possa ser prejudicial para a recuperação pós treinamento. Sendo assim, a reativação parassimpática é atualmente considerada um importante indicador de recuperação sistêmica, e muitas vezes quantificada usando vários índices de variabilidade da frequência cardíaca. Alguns estudos vêm investigando o papel do WBC na reativação do sistema parassimpático após a sessão de treinamento, e apesar de parecer que o WBC tem um efeito simpático, seu efeito cumulativo parece ter ação parassimpática. De fato, um estudo demonstrou que o WBC melhora a recuperação do SNC em curto prazo após exercício intenso com base em um aumento de duas a três vezes na variabilidade da frequência cardíaca. Acredita-se que essa resposta seja mediada pelo barorreflexo, que é desencadeado pela vasoconstrição induzida pelo frio e pelo aumento do volume sanguíneo central. No entanto, a reativação parassimpática não foi observada somente no WBC, e outros estudos replicaram esses efeitos no SNC através do CWI.
Embora recente, a pesquisa nessa área está em constante evolução e conflitos sobre as opiniões dos benefícios da utilização da crioterapia para recuperação serão comuns. Recentes evidências vêm demonstrando que a CWI pós treinamento pode
melhorar a atividade de genes associados a biogênese mitocondrial (PGC-1α) eangiogênese (VEGF) após uma sessão de treino de intensidade alta. Embora haja algumas evidências de que o WBC melhora a percepção de recuperação e dor após vários esportes e exercícios, isso não parece se traduzir em recuperação funcional aprimorada. Não há evidências suficientes até o momento de que o WBC ofereça vantagens distintas dos outros métodos de crioterapia, havendo dados de que o CWI é capaz de induzir reduções clinicamente relevantes na temperatura tecidual, e que também proporciona efeitos fisiológicos importantes. Estudos sugerem que o WBC pode ter um efeito positivo sobre mediadores inflamatórios, capacidade antioxidante e função do SNC durante a recuperação esportiva, porém, esses achados são preliminares.
Meta‐análises e estudos de desempenho realizados na área nos mostram que o CWI pode ser útil em ambientes de competição, particularmente os de característica curta e intensa ou em altas temperaturas ambientais. No entanto, ainda não há justificativa para o uso regular do CWI durante uma fase de "pré-temporada" ou preparação, particularmente quando o objetivo inclui uma resposta hipertrófica, devido ao potencial de atenuar a resposta adaptativa ao treinamento.
Até que novas pesquisas estejam disponíveis, os atletas devem permanecer cientes de que modos menos dispendiosos de crioterapia, como o CWI, oferecem efeitos fisiológicos e clínicos comparáveis ao WBC por um menor custo. Embora pareça não haver implicações positivas ou negativas do CWI pós exercício sobre a resposta inflamatória e ao estresse celular, o CWI pode ser útil para atletas de outras maneiras, como por exemplo, através da redução da dor muscular de início tardio e pelas propriedades analgésicas relatadas.
É necessária mais investigação sobre a utilização adequada dessas técnicas, qual o melhor momento e duração de aplicação. Análises sobre a periodização correta da CWI e WBC, necessitam de uma abordagem mais individualizada, com um foco especial nos objetivos do atleta, no seu horário de treino/competição e no ambiente em que se encontra.
Prof. Me. Eduardo Figueiredo Treinador – CordellaTeam Personal Trainer @prof.edu.figueiredo